quarta-feira, 17 de abril de 2024

As nuvens solidárias, poema

 


 

 


 

 

As nuvens têm

quatro paredes:

a parede do céu,

outra da terra,

uma do horizonte

e por fim a parede do tempo.

Nenhuma nuvem

vive fora das quatros paredes.

Ela só escapa

das quatro paredes

quando chora.

O tempo da nuvem

não é o tempo do relógio

que é uma nuvem presa

pelos ponteiros.

Homem e nuvem

muito se parecem,

se agitam,

mudam de lugar

e estão presos às quatro paredes.

 

As paredes do homem

são paredes do pensamento,

que são infinitas

como as bolas

que não tem começo nem fim;

a terra que pisa,

o horizonte do futuro

que se afasta

quando dele se aproxima

e o tempo

que tudo esfarinha.

 

 

 

 

 

terça-feira, 9 de abril de 2024

Vício, poema

 


 

 






 

 

 

Meu ar é viciado.

Sou dependente

do vício de mim.

Queria a abstinência,

me purificar de outro.

Os vícios são circulares.

São carrosséis

de dependência.

Os mesmos cavalos

rodopiantes da obsessão.

Busco a reabilitação

da alegria,

que é outro vício,

que logo requer

aumento de dose.

Dopado de enganos,

procuro a amizade

e a literatura,

dois fármacos

cujo comércio é raro.

 

 

 

 

 

 

 

sexta-feira, 5 de abril de 2024

Fogo, poema

 


 


 

 

 

 

Queria antes a frieza

dos olhos de vidro

e a impureza das torrentes

que tudo iguala

na voragem das inquisições.

 

Há labaredas em mim

difíceis de apagar:

a combustão da verdade.

Um dia tudo será cinzas,

até mesmo o resto

que pretendi me sobreviver.

Meu fogo é fátuo

e já abuso

da queima das horas.

Viver é outra

forma de incêndio.